Conjunto Vazio
“...Tudo isso porque o vazio foi sempre minha preocupação essencial e eu tenho como certo que no coração do vazio assim como no coração do homem, existem fogos que ardem.” Yves Klein
Sobre a areia, o vento deslizava branco varrendo a existência dos passos, os últimos passos que ainda restavam ali. Círculos de ar formavam túneis vazios, sem fim, uns sobre os outros. A idéia resumia-se em abraçar esse espaço, tomá-lo para si ou deixar-se levar... E isso significaria existir ou deixar de existir.
Na dúvida, a linha desenhou o espaço, mais adiante, limitou- se à tinta nanquim sobre o papel e toda uma íntima existência anunciou-se ali. Nesse limite, não interessava se parecessem vasos de Matisse ou corpos sem peso – eram coisas destituídas de massa e sombra, eram desenhos.
“Conjunto Vazio” partiu de uma série de desenhos realizados em meados de 90. O nome, empréstimo livre das aulas de matemática, abriga um contra-senso: como pode um conjunto ser vazio?
Se um conjunto é uma reunião de certos elementos, “entes abstratos ou seres concretos”, a idéia de um conjunto vazio indica justamente ausência de elementos. Mas, a ausência forma um conjunto ou não?
“De nada vem nada - disse o rei Lear de Shakespeare à filha Cordélia... E no entanto, o resto da peça se desdobra a partir do nada de Cordélia".1
A intenção é dar realidade sensível à ausência, os vasos estão aí como signos, dão “forma ao vazio como a música dá forma ao silêncio”.2 E, se agora são cortados, furados, e virados, numa espécie de jogo aleatório, é pela poética quase perversa de uma minuciosa investigação... Que visa enfim, dispor desses vazios contínuos, túneis, bocas e círculos: abrir, olhar, comprovar – não existe nada ?
Feitos todos de argila, placas sobre placas, massas moldadas em torno do ar... Construídos como torres fechadas, longas ou largas, torneados e, então, queimados e encerados. Sobre a areia, são marcas, vestígios, memória.
1 Robert Kaplan – "O nada que existe – Uma história natural do zero" – ed. Rocco Ltda.
2 George Braque – In Illustrated Notebooks 1917-1955. New York, Dover Publications
Texto de apresentação da exposição individual " Conjunto Vazio". Espaço Cultural Sérgio Porto. Rio de janeiro, abril de 2002
Empty Set
“...All of it because emptiness has always been my essential concern and I am certain that in the heart of emptiness, as in the heart of men, there is a fire burning." Yves Klein
The wind blew whitely on the sand, sweeping away the footsteps, the last remaining footsteps. Circles of air formed endless empty tunnels, one atop the other. The idea was to embrace this space, appropriate it, or be carried away... And this meant: to exist or to cease to exist.
Hesitant, the line sketched out the space, further on, just India ink on paper, and an entire intimate existence was proclaimed there. At this limit, it made no difference whether they looked like Matisse vases or weightless bodies – they were things with no mass and no shadow, they were drawings.
“Empty Set" started out from a series of drawings made in the mid-'90s. The title, freely borrowed from math classes, contains a contradiction: how can a set be empty?
If a set is made up of a number of elements, "abstract or concrete beings," the idea of an empty set points precisely to the absence of elements. But does absence really make up a set?
“Nothing comes of nothing, says Shakespeare's King Lear to his daughter Cordelia. Nevertheless, the rest of the play develops out of Cordelia's nothing.1
The idea is to give a perceptible reality to absence; the vases are there as signs, they give "a form to emptiness the way music does to silence".2 And if they are now cut, hollowed out and turned around in a sort of random game, it is by force of the almost perverse poetics of a painstaking investigation – the object of which is ultimately to dispose of these continuous voids, tunnels, mouths and circles: to open, to look, to make sure – is there nothing?
All made of clay, slabs on slabs, masses shaped around air... Built as closed towers, long or wide, lathed, and then fired and waxed. On sand they are marks, traces, memory.
1 Robert Kaplan – "O nada que existe – Uma história natural do zero" – ed. Rocco Ltda.
2 George Braque – In Illustrated Notebooks 1917-1955. New York, Dover Publications
Text for "Empty Set" Solo Exibition's catalogue, Espaço Cultural Sergio Porto, Rio de Janeiro, RJ, 2002
English translation: Paulo Henriques Britto
Fernanda Junqueira