CAMARUPA 

Camarupa é o nome de uma divindade indiana que tem como atributo mudar as formas das coisas visíveis. Goethe, no seu livro ‘O Jogo das nuvens’, deu o título de ‘Camarupa’ a um pequeno ensaio sobre a classificação das nuvens, feito pelo cientista inglês Luke Howard, considerado hoje o pai da meteorologia moderna. Um nome poético para um estudo científico.

Graças a essa divindade – a Camarupa –, as nuvens estariam em constante transformação que resultariam em suas formas inusitadas. Junto a outros cientistas da época, ele investigava as formações e os tipos de nuvens, mas é a nomeação criada por Howard a que é adotada até hoje: Stratus, Cumulus e Cirrus. Sabiamente, ele procurou nomes em latim que são universais para identificar e classificar as nuvens.

Achei que Camarupa seria um bom nome para minha nova série de trabalhos, pela contínua condição de transformação que estes passaram. ‘Camarupa Nuvens’, para designar o conjunto de pinturas que surgiram de certas manchas que se avolumaram e, aos poucos, destacaram-se de um fundo pictórico indefinido. Justo como uma formação de tempestade. Desse fundo indeterminado e vago alçaram voo para o vazio da tela e ali ficaram a dançar sozinhas no espaço plano e branco da superfície.

Dessa forma, as telas poderiam compor-se umas com as outras, na suas dimensões quadradas, geralmente em nuances de preto e branco. Algumas a arriscarem um quase nada – uma linha ou algumas pinceladas descontínuas –, já outras, pelo contrário, destacam um círculo brilhante de esmalte negro a espelhar o mundo.

Realizei uma série de vídeos e fotos, simultaneamente às pinturas. Em vídeo, ‘Camarupa’ apresenta-se na “forma líquida”, no vai e vem das ondas do mar e “diverte-se em alterar a disposição” dos desenhos configurados pelos fios emaranhados ou discos de borracha negra que joguei aleatoriamente na beira da praia. Instalações temporárias que brincavam com a incerteza da água que ora levava ou não os objetos, alterava suas formas, no caso dos emaranhados, ou sua composição, no caso dos discos.

A própria água do mar com sua espuma e transparência, sua plasticidade inerente, exercia um fascínio para as lentes da câmera. Às vezes, ela, “a câmara”, ficava ali, impassível, a esperar o mar chegar, e ele não vinha. Era Camarupa, a “divindade” brincando na beira do mar, por isso o nome, ‘Camarupa Água’.

‘Camarupa, a série – Nuvem & Água’, foi concebida entre o céu e o mar do Rio de Janeiro, nas praias de Ipanema e Búzios, para ser mais exata – onde realizei instalações temporárias  e in situ registradas em fotografias e vídeos. Os trabalhos em pintura produzidos em “terra”, precisamente no meu atelier, não são menos “ar e nuvem” por causa disso, tampouco são representações figurativas de nuvens, ou transcrições pictóricas das fotos. As pinturas vieram de pinturas, de pesquisas de ordem plástica, mas, com certeza, estão contaminadas pelo ar marinho.

Os dois movimentos, ‘Nuvem & Água’, nasceram juntos, mas, naquele momento inicial, ainda não percebia a íntima ligação dos dois. Certamente foi ‘Camarupa’, a “divindade”, que os uniu e assim conceituou trabalhos ainda sem nome e sem desígnio.

Texto de apresentação de Camarupa, exposição coletiva Ar Opaco, Fernanda Junqueira & Neno del Castillo. Galeria Amarelonegro Arte Contemporânea, Rio de Janeiro, março 2009.

Fernanda Junqueira